12 de junho de 2010

Heinrich Kramer e James Sprenger - O martelo das feiticeiras


KRAMER, Heinrich; SPRENGER, James. O martelo das feiticeiras. 20ª ed. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 2009.

Estudado por historiadores, antropólogos e até mesmo psiquiatras, o Malleus Maleficarum configura-se como uma obra que, embora seja vista por muitos como praticamente uma aberração, é fundamental para entender o pensamento do início da Idade Moderna em relação às praticas mágicas, demonologia e até mesmo nuances do comportamento humano. Diferentes análises podem ser feitas acerca deste livro.
É irônico, tanto quanto trágico, que este polêmico livro, que é uma das páginas mais sangrentas e terríveis do cristianismo e que é tido como um estandarte da intolerância e fanatismo religioso, tenha sido escrito durante o esplendor do Renascimento. Escrito pelos dominicanos James Sprenger e Heinrich Kramer, o Malleus Maleficarum se tornou mais do que um simples livro; tornou-se a bíblia do inquisidor, seu livro de cabeceira, ao lado de obras como o infame Directorum Inquisitorum, escrito pelo também dominicano Nicolau Eymerich em 1376 e revisto por Francisco de La Peña em 1578. Vale citar que este serviu de grande inspiração para o Martelo das Feiticeiras. Algumas semelhanças são visíveis, e Francisco de La Peña lamenta que autores como Sprenger não tenham feito referência ao manual de Eymerich.

Diferentes óticas são lançadas ao Malleus Maleficarum até os dias atuais. Certamente, as questões mais abordadas em relação ao livro são a misoginia visível dos autores – ao ponto da obra ser considerada por muitos, e como escrito atrás da edição resenhada, como “o mais importante livro jamais escrito sobre o feminismo” – e o levante de questões acerca de uma histeria coletiva; hipótese esta levantada por autores do mundo todo em relação à caça às bruxas na Europa moderna.

Levantar os motivos que fizeram com que a caça às bruxas atingisse os níveis de violência assustadores, principalmente entre o fim do século XVI e a segunda metade do século XVII, faria esta análise tomar outros rumos. Criticamente, os objetivos são outros.

Como manual, é necessário dizer que fora muito bem montado. Independente de argumentos como os que afirmam que Jesus “veio ao mundo e sofreu por nós, deu-nos, a nós homens, esse privilégio”, quando afirmam que os homens não se entregam à lascívia, estando salvos de copular com demônios, a quantidade de questões abordadas é impressionante. Os autores discorrem acerca de diversos detalhes, e em certos momentos parece que nenhum ponto fora esquecido, não dando margem à contestações. Inclusive, os autores refutam algumas das contestações que na época eram feitas aos argumentos dos inquisidores, como por exemplo ao citar os que afirmam “não existir bruxaria no mundo, salvo na imaginação dos homens, os quais, pela sua ignorância das causas ocultas que ainda ninguém compreende, atribuem certos efeitos naturais à bruxaria.” Interessante perceber que esta crítica, feita muitas vezes em diversas épocas, já eram presentes mesmo no período em que a caça às bruxas era prolífica.

O livro é dividido em três partes. A primeira parte, intitulada “Das Três Condições Necessárias para a Bruxaria: O Diabo, a Bruxa e a Permissão de Deus Todo-Poderoso”. Entre suas principais questões, estão os argumentos que validam como certo o pecado de não se crer em bruxaria, criticam a lascívia feminina e sua fácil corrupção, além de exaltar a permissão de Deus para as práticas das bruxas. A segunda parte é intitulada “Dos Métodos Pelos Quais se Infligem os Malefícios e de que Modo Podem Ser Curados”. Nela, são tratadas questões acerca dos maléficos, de como são feitos os pactos com o demônio e das formas de se proteger ou curar dos supracitados malefícios. A terceira parte trata das questões judiciais, tanto do tribunal eclesiástico quanto do civil. Prescreve como devem ser executados os processos, a leitura de sentenças, o uso da tortura e as condenações. Tudo prescrito de forma detalhada e minuciosa.

Como manual, é impossível dizer que tenha sido um livro escrito com negligência. Obviamente, se excluirmos a separação da conjuntura da época com a atual, veremos um sem-número de absurdos, afirmações descabidas e uma miríade de superstições no mínimo risíveis. Contudo, ao voltarmos nossos olhos mais uma vez para a época em questão, quando esses absurdos eram na realidade crenças bem definidas, percebemos que a cristandade, salvo determinadas contestações isoladas, via a caça às bruxas não como uma perseguição paranóica misógina; o trabalho do Santo Ofício era, acima de tudo, de vital importância para a sobrevivência do cristianismo diante das atribulações e dos incessantes esforços do demônio em minar os servos de Deus. Um trabalho de retidão, cujo sangue derramado não era a marca de uma perseguição cruel, mas sim, a mostra da piedade divina, onde dor e purgação dos pecados andavam lado a lado, validadas por bulas de diferentes papas.

O trabalho, por sua crueldade, foi contestado em diversas ocasiões. Não à toa, Michelet em seu A Feiticeira critica por diversas vezes a obra, se referindo á Sprenger como “idiota” [1]. Epíteto este deferido aos dominicanos em geral.

Em resumo, é um livro de fundamental importância para qualquer historiador que pretenda estudar sobre o Santo Ofício, a demonização do feminino ou mesmo sobre as ditas “paranóias sociais” nas mais diferentes épocas. Essencial para se compreender – ou ao menos para tentar fazê-lo – a mentalidade dos inquisidores; entender o motivo da crueldade ser vista como piedade pelo Tribunal do Santo Ofício.

[1] MICHELET, Jules. A feiticeira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992, p. 156.

Preço médio: R$ 60,00.