4 de outubro de 2016

Apesar da reunificação, algumas divisões permanecem fortes na Alemanha

O artigo abaixo é uma tradução livre do original escrito por Rick Noack para o jornal The Washington Post. O artigo original pode ser lido aqui.

Por Rick Noack
A Alemanha celebrou 26 anos de sua reunificação, mas nem todos estão convencidos de que há muito a ser celebrado.
Em Dresden, a maior cidade da Alemanha Oriental, manifestantes chamavam a chanceler Angela Merkel e outros políticos de "traidores" e "Merkel tem que sair". Esses slogans se tornaram comuns na cidade, onde demonstrações anti-estrangeiros tem ocorrido toda segunda-feira por cerca de dois anos. Em um tweet, o governo regional da Saxônia condenou os slogans de segunda de manhã afirmando que as autoridades estavam "entristecidas e envergonhadas".

Apenas um punhado de pessoas atendeu à manifestação. Mas seus gritos colocaram os holofotes na contínua divisão na Alemanha. Muitos alemães orientais se sentem deixados para trás e excluídos da prosperidade econômica do lado ocidental. Mas alguns alemães ocidentais acusaram seus vizinhos do leste de reclamar sem fazer por merecer a mudança.


Nenhum outro assunto tem causado mais tensões do que o influxo de refugiados na Alemanha no último ano. A Alemanha Oriental recebeu muito menos refugiados que o lado ocidental; ainda assim, é o lado leste onde os ataques xenofóbicos brotaram.

Enquanto 75% dos alemães que vive no leste disse em 2014 que eles consideram a reunificação de seu país um sucesso, apenas metade dos alemães ocidentais concordam. Com os alemães de ambos os lados culpando uns aos outros pelos erros do passado nos últimos dois anos, a frustração só aumentou.
Jovens 
— que não se identificam mais com tanta força às suas áreas de origem — cresceram mais preocupados sobre o ceticismo de ambos os lados. Mas de onde essas divisões vêm? E o quão diferente são esses lados hoje?
Antes de analisarmos os mapas, alguns dos quais foram inspirados por uma matéria de 2014 no site de notícias alemão Zeit Online, vamos olhar um panorama mais geral. Berlim, fotografada de uma Estação Espacial.
A foto foi tirada pelo astronauta André Kuiper da Estação Espacial Internacional em 2012. Ela mostra uma divisão de Berlim: enquanto as luzes amarelas estão do lado leste, as verdes marcam o lado oeste.

Daniela Augenstein, uma porta-voz do Departamento de Desenvolvimento Urbano de Berlim, explicou que o lado leste historicamente usou uma iluminação pública diferente. As luzes refletem outra diferença: as lâmpadas usadas na iluminação pública na Alemanha Ocidental eram muito mais amigáveis ao meio-ambiente, refletindo a emergência do movimento civil ambientalista nos anos 1970 e 1980 na Alemanha Ocidental. Naquela época a Alemanha Oriental era ainda muito poluidora e dependente de carvão. Hoje, o lado oriental da Alemanha é o coração da transformação para as energias renováveis no país. Mas vista do espaço, as diferenças históricas ainda definem a paisagem noturna de Berlim.

Depois da queda do Muro de Berlim, companhias e fábricas ex-comunistas do lado leste da Alemanha tiveram que competir com suas contrapartidas ocidentais, muito mais eficientes. O capitalismo veio muito depressa. Muitas companhias faliram, e algumas regiões nunca se recuperaram do choque. O nível dos salários é mais baixo no leste do que no oeste.

O desemprego na alemanha recentemente caiu para seu nível mais baixo em um quarto de século, mas os números não são tão homogêneos. Os estados da antiga Alemanha Ocidental ainda têm níveis de emprego muito melhores que seus vizinhos do leste. Isso ocorre em partes porque jovens migraram das zonas rurais do lado leste para o oeste, que diminuiu a procura por emprego no lado oriental. Ainda que esse mapa seja baseado em dados de 2013, pouco mudou na divisão geral.

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Isso levou a uma situação paradoxal: muitos jovens na área rural da Alemanha Oriental dizem que eles foram forçados a migrar pro lado ocidental ou para cidades maiores do lado leste por conta da falta de salários competitivos e oportunidades de trabalho. Consequentemente, muitas companhias do lado oriental não conseguem achar jovens para posições de entrada e estão agora recrutando trabalhadores na Polônia ou na República Tcheca.
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Desemprego e diferenças salariais não são os únicos fatores geradores de diferenças demográficas. Muitos estrangeiros que vivem na Alemanha escolheram fixar residência no lado ocidental, e sua chegada diminuiu a média de idade da população. Vários faotres explicam a população estrangeira significativamente menor do lado leste. Antes da queda do muro, o lado ocidental convidou muitos trabalhadores turcos para viver no país como trabalhadores convidados. Muitos nunca foram embora.

Além disso, o clima político é menos amigável para estrangeiros no lado leste, de acordo com um estudo da Universidade de Leipzig que entrevistou 16.000 alemães durante 10 anos. Esses resultados coincidem com a maior presença de grupos neonazistas de extrema-direta na região. O partido de direita Partido Nacional Democrático, cujos membros têm sido constantemente acusados de glorificar Adolf Hitler, goza de maior apoio no lado leste, ainda que tenha sido relativamente mal sucedido em votações.


Por que políticos de direita prosperam no leste, antes comunista? A explicação é complexa, mas pesquisadores normalmente atribuem isso à mistura de anti-esquerdismo consequente da queda do muro e da inferioridade econômica do leste. Muitos se desiludiram com o capitalismo ocidental, mas poucos querem voltar ao comunismo. Políticos de direita foram rápidos em preencher essa lacuna.


Onde o Partindo Nacional Democrático não foi bem sucedido em atrair votantes, o partido conservador de direita mais recentemente estabelecido, o 
Alternative für Deutschland (Alternativa para a Alemanha) está no caminho de se tornar uma força política na Alemanha.
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A comparação acima pode fazer parecer que o lado leste é um lugar ermo de se viver, mas em alguns aspectos, está a frente do lado ocidental. Peguemos o exemplo da produção de lixo. Lidando com constantes problemas de abastecimento de comida até 1989, os alemães orientais aprenderam a economizar e comprar apenas itens que fossem considerados necessários. Essa atitude parece permanecer hoje. Ainda assim, as diferenças de produção do lado leste seriam ainda menores se nós olhássemos apenas para a produção de lixo doméstico e não contabilizasse outras fontes de luxo como jardins.
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A Alemanha Oriental comunista também enfatizava o cuidado infantil. Enquanto as mães da Alemanha Oriental estavam normalmente empregadas, as mulheres do lado ocidental tinham maior propensão a ficar em casa e cuidar dos filhos. Logo, o governo do lado oriental investiu pesadamente em creches, e seu legado permanece ainda hoje.
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Esse mapa aponta outro legado do passado comunista da Alemanha Oriental. Nesse país, os campos de agricultura eram muito maiores, porque eles não eram propriedade de indivíduos, mas sim de grupos de fazendeiros. Depois da reunificação, os tamanhos dos campos raramente diminuiu.
No leste, era também muito mais comum, e politicamente apoiado, receber uma vacina contra a gripe. Mesmo hoje, os alemães do lado leste são mais apegados a essa prática, como o site Zeit Online recentemente notou numa comparação entre os hábitos e crenças dos dois lados.Screen Shot 2014-10-31 at 06.27.08
Por fim, se você viaja pela Europa e você ver dois grupos de alemães em um acampamento, você poderá facilmente distinguir quem é quem. Os alemães orientais normalmente dormem em barracas, enquanto os ocidentais preferem viajar de trailers. Nós não encontramos uma explicação científica para isso, mas é possível supor que está ligada às experiências dos alemães do lado leste em viajar pelo mundo. Além disso, muitos jovens da Alemanha Oriental nem mesmo podiam ter um carro durante o comunismo.

Tentar comprar um trailer teria sido muito mais caro e praticamente impossível para a maioria dos cidadãos da Alemanha Oriental. Enquanto os do lado leste eram autorizados a explorar para além de suas fronteiras, os alemães orientais permaneceram praticamente prisioneiros pelo seu governo por quase três décadas.
(Source: Kraftfahrt-Bundesamt/ First used by ZEIT ONLINE/ Visualization: Gene Thorp, The Washington Post)